Se a
conta corrente é antiga, ativa e tem movimentação financeira razoável, o banco
não pode, sem que haja motivo justo, encerrá-la de maneira unilateral e
mediante simples notificação. A decisão, unânime, é da Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dois correntistas entraram na Justiça
depois de receber notificação do Banco Santander informando que sua conta
corrente, ativa desde 1969, seria encerrada no prazo de dez dias por
desinteresse comercial. A ação foi aceita pela primeira instância, que
determinou a manutenção da conta e fixou indenização de mais de R$ 8 mil por
danos morais. O banco recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que
entendeu como possível o encerramento unilateral das contas pelo banco e
afastou a indenização. Ao analisar a legitimidade da rescisão unilateral
do contrato baseada exclusivamente no desinteresse comercial da instituição
financeira, a Terceira Turma, depois de um longo debate, reverteu a decisão do
TJSP.
Abuso de direito
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino entende que o banco só poderia encerrar
unilateralmente a conta se houvesse algum problema cadastral ou de
inadimplemento dos correntistas. Simplesmente dizer que perdeu o interesse no
contrato, sem qualquer outra justificativa, não seria suficiente. “Em pleno
século XXI, adotou-se uma postura que seria razoável no século XIX, encerrando
abruptamente uma relação contratual de longos anos”, afirma. Sanseverino reconhece
abuso de direito no caso. Para ele, a liberdade contratual deve ser exercida
levando em consideração a função social do contrato e deve respeitar as regras
éticas e da boa-fé objetiva.
Liberdade de contratar
Para a ministra Nancy Andrighi, a situação é diferente da contratação inicial,
quando a instituição financeira pode aplicar a liberdade de contratar, por se
tratar de uma atividade de risco e que exige diversas medidas de
segurança. No caso, afirma a ministra, falta uma justificativa razoável
para a perda de interesse no contrato de conta corrente por parte do banco após
mais de 40 anos de relação contratual, mesmo que a rescisão unilateral por
qualquer uma das partes esteja prevista em resolução do Conselho Monetário
Nacional (CMN). “Não há como compreender como legítimo exercício do
direito de não contratar, sem qualquer alegação de alteração da situação fática
das partes, que o interesse comercial por tantos anos existente, tenha se
perdido”, esclareceu. Em seu voto, Andrighi ainda cita que, mesmo que o
planejamento estatal sirva apenas de indicativo ao setor privado, a extinção
imotivada de conta corrente contraria o atual movimento do governo brasileiro
pela inclusão bancária.
Dever de manutenção
O ministro Sidnei Beneti, relator do processo, primeiramente votou pela
manutenção do acórdão do TJSP. Com o debate gerado, Beneti convenceu-se de que
a solução legal mais adequada seria aquela dada pela sentença de primeiro grau,
uma vez que o caso apresenta particularidades não presentes nos precedentes
jurisprudenciais citados em seu primeiro entendimento. Após enaltecer a
importância do julgamento colegiado, que possibilita, segundo ele, uma formação
da vontade jurisdicional mais profunda do que o julgamento que se atenha à
análise inicial individual, o relator concordou com os pontos levantados por
seus pares e entendeu que é necessário proteger o correntista como
consumidor. Para o ministro, o fato de ser uma conta corrente vinda de
longo tempo e mantida em constante atividade afasta a faculdade do banco de,
imotivadamente, por seu próprio arbítrio e com uma simples notificação,
encerrá-la: “A pura e simples conclusão de que o banco não teria o dever de
manutenção das contas-correntes de longa duração, vivas e com razoável
movimento, dada a pretensa liberdade unilateral de contratar, encerraria
rendição do intérprete judiciário à inquestionabilidade do positivismo
jurídico”. Com a decisão, fica restabelecido o que foi determinado pela
sentença de primeiro grau, que condenou o Banco Santander a manter as
contas-correntes e, levando em consideração o dano à honra sofrido pelos
correntistas, reconheceu o direto à indenização por danos morais.