Miruna Genoino, filha de Jose Genoino, preso no processo do mensalão,
durante a primeira entrevista exclusiva que ela concede

Miruna Kayano Genoino se lembra com detalhes da
tarde em que seu pai reuniu a família e comunicou: "Lula pediu para eu ser
presidente do PT e vou fazer isso porque esse projeto precisa funcionar".
O ano era 2002 e Luiz Inácio Lula da Silva tinha sido eleito presidente da
República. Filha do deputado federal licenciado José Genoino, a professora de
32 anos diz que o pai não tem arrependimentos. O petista foi condenado por
corrupção ativa e formação de quadrilha no mensalão e, segundo Miruna, acredita
que, "se esse é o preço que tem que pagar para que o projeto do governo
Lula e Dilma funcione, ele paga". Genoino foi preso em 15 de novembro e
levado ao Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, para cumprir pena em
regime semiaberto. Após uma semana, teve uma crise de pressão alta, foi levado
ao hospital e de lá seguiu para a casa da filha Mariana, onde espera o Supremo
Tribunal Federal analisar seu pedido de prisão domiciliar. "Meu pai não
tem esperanças de que isso aconteça", disse Miruna à Folha. Leia a seguir
trechos da entrevista.
*
Julgamento
e prisão. - O momento mais difícil para o meu
pai foi quando ele foi condenado. Durante o julgamento ele tinha esperança de
ser absolvido. [Os elogios de alguns ministros antes de condená-lo] só o
deixavam mais irritado. Era como se fosse um afago para depois meter a faca.
Isso, hipócrita. A prisão não teve o elemento surpresa. Por um lado, quando
chegou a notícia, conseguimos respirar. Estávamos vivendo uma situação
insustentável com o cerco da imprensa, os repórteres e fotógrafos querendo
tirar fotos de tudo. O que vivi como mãe não desejo a ninguém. Posso entender
que queiram tirar foto dele se entregando, mas não entendo o desejo de tirar
fotos de dois menores de idade indo visitar o avô [os filhos de Miruna têm 5 e
7 anos]. Quando chegou a notícia, foi quase "vamos começar com essa
porcaria de uma vez".
Preso
político. - Meu pai está proibido de emitir
opinião, de dar entrevistas, e dizem que ele não é preso político. Então por
que ele não pode falar? É preso político, sim. Meu pai foi condenado porque era
presidente do PT. Lembro da vez em que ele se sentou na sala com a gente e
falou: "Olha, o Lula pediu para eu ser presidente do PT e vou fazer isso
porque esse projeto precisa funcionar". Às vezes, eu penso que se a gente
tivesse falado alguma coisa... Mas não, ele não tem arrependimentos. Nenhum.
Ele fala que, se esse é o preço que tem que pagar para que o projeto do governo
Lula e Dilma funcione, ele paga.
Saudade. - Estou sentindo muita saudade dele, muita mesmo.
Na semana passada foi a apresentação de dança da minha filha e só estava eu
para assisti-la [chora]. E isso nunca mais vai voltar. Ele nunca mais vai ver
essa apresentação. É difícil porque tenho uma ligação muito forte com meu pai,
e o que acontece com ele é como se estivesse acontecendo aqui [coloca a mão em
cima do coração e chora ainda mais], como se ele estivesse dentro de mim. Aí a
minha mãe vai tentando ajudar a gente. Ela fala: "Você não é ele".
Quando tive meus problemas pessoais este ano, ela também falava para o meu pai:
"Você não é ela, calma".
Doença
Em julho deste ano meu pai estava com minha mãe e meus filhos em Ubatuba
[litoral de São Paulo] e passou mal [foi submetido à cirurgia para corrigir uma
dissecção na aorta]. Eu estava viajando. Faço mestrado na Argentina, e passei a
noite no avião sem saber se meu pai estava vivo ou morto. O que mais dói é que
foi tão difícil o que nos aconteceu naqueles dias, meu pai tinha só 10% de
chance de sobreviver e, graças a Deus, ele venceu. Agora questionam se a gente
está usando a doença dele como estratégia. Isso é muito duro porque, se eu
pudesse escolher, mesmo com meu pai preso e a gente longe dele, se ele
estivesse bem de saúde, eu escolheria isso.
'Querem
nos destruir'. - Só não larguei o mestrado por causa
dele. Soube da aprovação dias depois da condenação [novembro de 2012]. Ele me
disse: "Querem nos destruir e você não pode permitir. Você vai continuar
lutando e fazendo as suas coisas porque não podem nos apagar". Se você me
perguntar quem é o sujeito do "querem", de cara vou falar que a mídia
teve muito a ver com isso. Meu pai teve muitas decepções. Mas com a mídia ela
foi devastadora, o coração dele começou a rasgar ali. Ele tem uma mágoa
profunda, uma dor com tudo o que é publicado. Quando os jornalistas ficam lá
fora de casa, essas manchetes, essa agressividade, esse recorte da realidade é
um punhal para ele.
Vontade
de morrer. - Depois da cirurgia, meu pai se
perguntou: "Por que a vida não me levou?" Ele não tinha medo de
morrer, mas se questionou muito. Na época da ditadura, ele não tinha nada a
perder, mas hoje ele tem os filhos, os netos e minha mãe.
Solidariedade. - Lula, Dilma e o PT sempre tiveram solidariedade
com o meu pai. E eu só estou falando isso aqui porque se tiver uma pessoa --e
só uma-- que ache que ele esteja fingindo e, depois de ler essas minhas
declarações, mude de ideia e se convença que ele está mesmo doente e precisa de
cuidados, para mim já vai ser suficiente.
Laudo
médico
tava medicado e com a família.
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- Meu pai passou mal na Papuda e precisou ir para o hospital em Brasília. Ele
teve uma alteração de pressão que durou dois dias. Nós tínhamos quatro laudos
dizendo que a situação era grave. Quando chegou a junta médica do STF já era o
final de dois dias no hospital. É claro que a pressão tinha baixado. Ali ele estava
medicado e com a família. Minha pergunta é: esses médicos foram na Papuda?
Foram ver a alimentação do meu pai na prisão? Viram que na Papuda não tem
plantão médico noturno? Foram ver? Não foram. E eles se sentiram autorizados a
dizer que meu pai não precisa ficar em casa.
Companheiros
de cela. - Já falei que se eu tivesse mil vidas
e durante todas elas eu ficasse dizendo "obrigada" não seria
suficiente para agradecer ao José Dirceu e ao Delúbio [Soares] por tudo o que
eles estão fazendo pelo meu pai. Porque se teve alguém que cuidou do meu pai
foram o Zé Dirceu e o Delúbio. Eles foram atrás de água mineral para o meu pai
parar de beber água da torneira. Insistiram e a polícia levou. É por isso que
meu pai deve querer ficar na Papuda caso o STF não dê a domiciliar. Eles não
querem se separar.
Próximos
dias. - Esperança eu não tenho. O único dia
em que minha mãe perdeu a cabeça foi quando ele passou mal e o médico disse que
ele precisava ir ao hospital, mas o juiz não autorizou. Ela gritou, chorou, ficou
nervosa, se descontrolou. Quando as pessoas falam que ele vai ficar alguns
meses no semiaberto e depois já pode pedir progressão da pena, penso que não
sei como ele vai chegar. Em uma semana eu vi como ele piorou, como eu vou
pensar em meses? Oito meses? Ele não vai durar isso na prisão. Não vai.
Fonte UOL